sexta-feira, 21 de agosto de 2009

MENINAS-BAILARINAS

às meninas bailarinas de Acari (anos 60)

Era uma escola antiga. De salas amplas e claras, altas paredes, povoadas de meninos e meninas em tempo de estudos, em tempo de festas. Uma delas, a maior, abriga imagens das pessoas ausentes que por ali passaram e o éco das festas sociais, das solenidades, de reuniões, das aulas. Ao fundo, um gracioso palco, um lugar de cultura e encantamento... de sonhos e de realidade. Era o centro das emoções: as grandes falas... as danças... o teatro... o canto... a poesia... o amor...
De um canto da grande sala, naquela tarde, uma vitrola antiga acionava disco negro de vinil (78 rotações). Voavam os sons ao palco, onde a dança acontecia em cenário de jardim. A agulha tocava o disco girando, girando até as últimas ranhuras. A melodia produzida repetidas vezes nos transportava a ambientes inusitados, antes nunca visto por nós...
As meninas-baiarinas, na ponta do pé, eram bonecas de louça a espera do gesto, e do som pra dança começar. De início, movimentos eram graciosidade, languidamente: sílfides beijando a flor...abelhas colhendo o mel... borboletas voando à luz do luar. Os braços arqueados subiam e desciam, em graciosos movimentos de bailarinas, tal qual folhas alongadas sacudidas pelo vento em tardes de verão.
Depois, a dança tornava-se rápida, modificava-se: em passos saltitantea, as meninas-bailarinas assemelhavam-se a peões soltos do fio, rodopiando, rodopiando, como se fosse em famosos palcos da vida... E, então, iam e vinham em círculos, de mãos dadas, do centro à fímbria, como se bailassem sòzinhas no espaço de festas - ora lentas, ora rapidamente, ao compasso da melodia húngara. Então, as meninas-bailarinas transfiguravam-se no ambiente de sonhos, como no ballet clássico, no minueto, nos bailes de máscaras, nas valsas e mazurcas dançadas em castelos medievais...
Ao final,na ponta do pé, em movimentos contrastantes, iam e voltavam do grande círculo ao centro, olhos pro alto, mãos juntas em pétalas: flores coloridas arrumadas num bouquet. Em seguida, dobravam o corpo em reverência à "grande platéia do teatro". Então, repetiam aquele movimento gracioso, à medida que as palmas multiplicavam-se em écos no antigo espaço da escola. Depois, em passos saltitantes e riso nos lábios, sumiam por trás do pano de veludo, linda cortina vermelha tremulante ao vento que soprava da janela ao lado.
À frente do grupo, esquecida do tempo, atenta e feliz, a professora aplaudia a construção artística das meninas-bailarinas naquele ensaio, ao som da melodia húngara.
Não, não foi um sonho. Aquela realidade relevou a escola antiga, e as meninas-bailarinas deixaram marcas de cultura e beleza: ressonância na alma pela gravação dos sons imortais da música de Czardas!
Hoje, ao manusear minha coleção de LPs, vejo aquelas imagens e escuto os sons incríveis daquela melodia, cuja beleza e significado me transportam àqueles momentos, num tempo irreversível, sem retorno... O tempo das meninas-bailarinas...

(Texto publicado no DIário de Natal-DN Seridó, no dia 24 de abril de 2008, aqui postado a pedido de pessoas presentes na Solenidade em comemoração ao Centenário do G.E. "Tomáz de Araújo, em Acari, no dia 11 de agosto de 2009, quando foi lido na programação oficial, por uma professora).

Um comentário:

  1. Venho sempre aqui pra encontrá-la, encantar-me com seu zelo, sonhar... Hoje a leitura foi demais, esse carinho ancestral esse mimo de partitura da saudade, a memória que reverência e nunca morre... Este artigo sobre as bailarinas meninas me fez chorar.
    Grato.

    Dê uma olhada no blog DAS Meninas: http://asmeninas-assu.blogspot.com/
    estou postando as notas que venho tomando, devagarinho, sobre nossas conversas na calçada.
    Abraço-lhe.

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